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Shazam!!!
Quando eu era criança, em meados dos anos 80, uma das coisas que mais amava na vida era ler uma boa história em quadrinhos. Passei por fases ótimas … Da turma da Monica, Disney e, claro, super-heróis. Mas havia um estilo que caminhou por todas estas fases e continua forte até hoje comigo: A boa HQ de terror.
Naquela época o senhor Rodolfo Zalla manteve meu vicio controlado com as magníficas histórias em suas séries da editora D’art conhecidas como Mestres do Terror e Calafrio. Eram noites assustadoras e histórias que arrepiavam mais que os filmes do SBT na virada da madrugada. Algumas destas edições tive o privilégio de manter durante todos estes anos e recuperar outras graças ao advento do Mercado Livre.
Apesar do sobrenome Zalla ser de estrangeiro. As revistas eram de punho nacional e eram muito bem feitas dentro do estilo almanaque, com vários artistas e roteiristas que destaco aqui: o próprio Zalla como desenhista e escritor, Mozart Couto, Rodval Mathias, Júlio Emilio Brás, Shima, Flavio Collin, Ivan Carlos, Eugenio Colonesse e tantos outros.
Mas quero falar de um em especial: Eduardo Cardenas, que naquela época assinava como Luís Eduardo.
Este Sergipano lançou pelo selo Lost Comics uma edição que faz lembrar muito aquele período de ouro das HQs de Terror no Brasil .
MÓRBIDO, MALÉFICO E MALDITO GIBI é uma obra que já é grandiosa a partir do nome. No formato Heavy Metal chega nos brindando com quatro magnificas histórias com um traço cheio de tantos detalhes que o leitor precisa de mais de um minuto para saborear cada um, além de ser precedidas por mine pôsteres que emulam os antigos cartazes de Terror dos anos 60 e 70. Todas foram produzidas para um retorno da revista “CALAFRIO” que, por vários motivos, acabou ficando apenas na ideia. Por sorte Eduardo achou que a gaveta não era um destino muito grato para as quatro histórias.
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Tive o prazer de dividir a prancheta com Eduardo em uma HQ chamada “Between the Shadows” que já saiu aqui no Brasil , mas ainda não concluída e que contou também com a participação de Carlos Brandino e “Macarius”, que recebeu uma nova roupagem nas mãos de Julio Brilha.
Ela está aqui... Escuto seus passos macios vindo de algum lugar dentro de mim. Entendo que se esconde nas sombras. Por quê? Ela está aqui... A vejo quando olho no reflexo de meus olhos... Meu coração se aquece e sei que não há nenhum medo.
Ele entrou no quarto pensativo; os móveis ainda estavam lá quietos e olhando para ele como se nada tivesse acontecido, como se aquela manhã fosse idêntica a todas as anteriores. No entanto sabia que não era mais assim, o som surdo de seus passos descalços no piso frio e o choro silencioso que teimava em soluçar em seu coração se misturavam aos soluços de sua mulher no andar de baixo. Abigail não estava mais entre eles. “Como era possível isso?” Perguntou sem saber se a pergunta ganhou voz em seus lábios, ou se foi apenas um eco de dentro dele. Entretanto, como em todas as vezes, não houve uma resposta que acalentasse seu peito.As cores que o sorriso dela espalhava nas paredes daquela casa não eram mais vistas ou sentidas como se agora fossem folhas secas que escaparam por uma janela aberta em uma tarde de outono. O vento havia levado embora... Para nunca mais voltar. Na escrivaninha levemente empoeirada pairavam seus espalhafatosos óculos escuros , seu chaveiro repleto de pequenos bichinhos de plástico coloridos, um telefone em forma de Elvis Presley que ele odiava e que tentara trocar dezenas de vezes sem sucesso e uma folha de jornal com uma linda foto dela em preto e branco. Sempre sorrindo, e com aquele risquinho delicado, que surgia em seu olho esquerdo quando ficava alegre . Ele se permitiu deixar transparecer uma pequena fileira amarela em sua boca, mas que foi quase que imediatamente sufocada pela palavra ENTERRO que, como um tumor, se embreava em uma frase naquela página. Ela estava morta. Sua linda filha estava morta. Olhou mais uma vez para o quarto, passou a mão em um bicho de pelúcia da filha e chorou quando lembrou de sua voz dizendo que não poderia mais ficar com eles, pois já tinha quase quinze anos e que iria doar boa parte deles para a Igreja do Sagrado Coração onde ajudava junto a outras meninas de sua idade arrecadar produtos para um orfanato da cidade. Estava fazendo aquilo, não por receio ou medo do que os amigos iriam dizer. Não. Abigail nunca ligou para o que pensavam dela. Ele, inclusive, invejava isso nela. A questão era que ela sempre pensava nos outros antes dela. Era seu jeito. Cabeça dura e tão determinada, no entanto tão doce e afável com todos. Aquele urso nunca pesou tanto em seus braços e quando olhou para aqueles olhos artificiais e negros como a noite confirmou consigo mesmo que sua filha nunca deixaria de ser sua princesa . Não importava a idade que tivesse ... ou ... onde estivesse. - Oh, meu Deus, por que ela? Trancou o quarto, da mesma maneira que ela havia deixado, antes de sofrer aquele acidente de carro. Era seu mundo e deveria ser trancado junto com ela. No corredor Joana, sua filha caçula, olhava para aquilo tudo sem entender. Sua mente de quatro anos tentava, mas não conseguia imaginar sua irmã não mais ali. A vida e a alegria de Abigail eram muito maiores que um corpo. - Ela vai voltar, papai. - disse com sua voz cheia de inocência -Ela disse que estava esperando uma ligação muito importante. Ele a olhou com ternura e quis com todas as forças de sua alma que aquilo fosse verdade. A colocou em seu colo e beijou seu rosto com ternura. Suas lágrimas molharam os cabelos castanhos da menina. - Sim querida, eu sei. Mas estava mentindo.
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Dez anos se passaram desde aquele dia. Joana era agora uma moça que entrava no segundo grau, sempre vigiada pelos olhos atentos do pai, que agora mostrava uma vasta cabeleira grisalha, apesar de ter pouquíssimas marcas de ação do tempo em seu rosto. Procurava agora não pensar na filha que perdera, mas não conseguia evitar .Ainda mais quando passava em frente a seu quarto, que era aberto apenas uma vez por mês para ser limpo e voltava a ficar trancado. - Falta um dia pai, se lembra? - Claro que lembro meu bem, vou deixar você lá antes das dez da manhã. -disse enquanto tomava rápido seu café da manhã. - Poxa, pai. Assim não dá, o que minhas amigas vão falar ? Todo mundo vai de ônibus, só eu que terei uma “babá”? - Ei! Que história é essa, por acaso tem vergonha do seu velho? - Claro que não, mas caramba, já tenho quatorze. Será que não posso ir na cidade vizinha sem meu guarda costas pelo menos uma vez? - É verdade querido. Jô já não é nenhuma menininha. Por que não? – disse a mãe, uma linda mulher de quarenta e sete anos que se orgulhava de ser mais rápida que o tempo e nunca deixava ninguém ver seus cabelos brancos, que estavam presentes em sua vida desde que tinha vinte. Os olhos de um verde sereno que combinavam perfeitamente com o nariz pequeno e lábios grossos e firmes. Estava pouca coisa acima do peso, mas nada que tirava o encanto que ficava embaixo da longa cabeleira castanho claro. - Tá bem! Já que não sou mais útil para as minhas mulheres, não posso dizer nada. Posso pelo menos levar a senhorita até a escola ou vai desejar ir de táxi? Um longo abraço foi a resposta. No dia seguinte Joana adiantou-se ao sol arrumando suas roupas para o fim de semana que teria com suas amigas e, claro, amigos, em especial, Rafael, um garoto da sala vizinha que mostrou grande interesse pelo seus enormes e bem feitos olhos azuis. Na pequena mala também ia junto a foto em que ela aparecia ao lado da irmã, que agora para ela não era mais que uma linda personagem de contos de fadas. Destas que você tenta achar que nunca existiu, mas que faz bem pensar nela como um exemplo a seguir. Na verdade não se lembrava muito dela, mas vez ou outra acreditava que sonhava com ela e nos sonhos ouvia sua voz doce sempre lhe dando conselhos. Nunca deixou de se arrepender pelos anos em que a odiou em silêncio, por todas as vezes em que pegou os pais chorando nos cantos da casa, ou quando passavam em frente ao quarto dela, que mais parecia um santuário. Mas agora entendia e até ajudava a mãe a limpar o quarto da irmã e por vezes defendeu a falecida irmã quando era falado sobre a ideia de transformar aquele quarto em um espaço para visitas. “Sem essa! Ninguém mexe nas coisas da Aby.” Ela dizia em alta voz e todos acabavam rindo e esquecendo a ideia. “Talvez hoje, você já teria me dado sobrinhos...” pensou enquanto colocava seu biquíni na mala sem deixar de olhar para a foto. “Como você era linda, mana.” No quarto ao lado, seu pai lutava contra o forte sono que sentia, mas o toque delicado da mulher, junto a um sorriso doce, foi o suficiente para manter-se desperto. Na cadeira da penteadeira estava sua bermuda, colocada na noite anterior, junto a um par de meias e seus tênis. - Por que eles tem que sair tão cedo? – Perguntou enquanto olhava para o espelho coçando a barba que nascera durante a noite. - Ora querido, são três horas de viagem, você não espera que num calor desse eles fiquem dentro de um ônibus quente. Querem só aproveitar o frescor da manhã. - É. Nós poderíamos ir também sabia? A mulher agora tocava em suas costas beijando levemente sua orelha esquerda. - E perder um chance de ficar sozinhos? Nunca. Um sorriso amarelo e malicioso surgiu no rosto dele olhando os olhos da esposa no reflexo do espelho. Afinal de contas há anos eles não curtiam um momento só deles, era um final de semana inteiro sozinhos, e ele sabia muito bem que a mulher já devia ter feito planos. Desde que a filha morrera nunca mais haviam se dado ao luxo de permitir serem vivos e fazerem algumas loucuras, mesmo que controladas. - Vamos, termine logo. Eu vou descer e preparar um café da manhã reforçado para vocês.
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O rosto sorridente da filha dentro do ônibus, sendo abraçada e pelas amigas foi o suficiente para o pai. Ele tinha certeza que ela estaria feliz naquele final de semana, entretanto só ligou o carro quando o ônibus partiu.
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A pedido da esposa parou em um supermercado para comprar algumas coisas para o jantar especial que teriam naquela noite. Comprou também um bom vinho, algumas frutas e chocolate alemão, para a confecção de um doce que sua esposa fazia muito bem e que, por opinião dele, fazia muito bem antes e depois do amor. Em casa ela preparava uma torta gelada que estaria à espera da filha. Adorava morder os morangos congelados mesmo sabendo que quase não tinha gosto. Olhou para o relógio na parede e viu que pela hora a filha já devia estar fora da cidade. Pensou no seu rosto sorridente e em como ela era parecida com sua mais velha. O som do carro estacionando na garagem fez com quase por reflexo retirasse o avental e arrumasse o cabelo que, diga-se de passagem, estava sempre arrumado. Ele entrou pela porta dos fundos que dava para a cozinha, trazendo três sacos plásticos de compras. Colocou-as sobre a mesa e foi recebido com um longo beijo.
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A noite chegou recheada de carícias de um dia inteiro de mimos e promessas de amor renovadas e banhadas com muito suor. Ele, olhou para seu reflexo procurando gordura em sua barriga e uma calvície que não existia. Na verdade procurava uma explicação mais física para o que considerou uma péssima performace durante aquela tarde. A esposa entretanto não parecia decepcionada, tanto que colocava sua camisola vermelha na intenção da hora de dormir ser bem depois da madrugada. Subitamente o som do telefone disparou de seu criado. Ela atendeu com um belo sorriso no rosto, que desapareceu pelo que ouviu. O aparelho caiu de sua mão e a única coisa que saiu, e ainda assim rouco, quase sufocado, foi o nome do marido.
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Na delegacia o delegado explicava, com certa dificuldade para o grupo de pais nervosos e entre estes estava o de Joana. - Por favor senhores, ainda não temos nenhum nome, foram encontrados somente seis crianças, que já estão no hospital, os nomes delas estão em uma lista na recepção. E as outras – gritava um pai histérico – Pelo amor de Deus, onde está meu filho? Ele só tem treze anos. - Por enquanto não temos informações. O que podemos dizer é o que vocês já sabem, o motorista do ônibus recebeu uma fechada na estrada e caiu da ponte Teixeira Costa dentro do rio – disse enquanto uma mulher, com rosto perturbado, entregava uma folha de papel para ele. Olhou para a mesma e ficou perplexo – Senhores, acaba de chegar a lista das O pai de Joana viu seu mundo cair em seus pés enquanto o delegado dizia os nomes das crianças mortas. Sua mulher estava com os olhos distantes como se procurasse algo no espaço vazio que pudesse lhe acalmar. - Não.Não. Não.Não. Não.Não. Não.Não. Não.Não. - Era tudo que saia de sua boca sem quase respirar. O nome de Joana não estava na lista. - Por favor, voltem para suas casas, entraremos em contato, tão logo tenhamos mais informações. Peço por gentileza para não irem ao rio, pois poderão atrapalhar a ação dos bombeiros. Já temos seu contatos e iremos ligar a cada novidade.
primeiras vítimas fatais. São oito nomes.
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Cada passo parecia pesar toneladas. A chave parecia não querer abrir a porta de sua casa. Tudo de novo. Perdera sua outra filha. Não, ainda não, ela não foi encontrada. Mas onde ela poderia estar? Estava frio naquela noite, ela não sabia nadar. - Deus! Eu matei minha filha. -disse para a esposa. -Eu a deveria ter levado. - Não. Não diga isso, querido. Joana é forte, ela está bem. A sala agora parecia ter o dobro do tamanho por conta da solidão. Todos os sentimentos que sentiram com Abigail estavam lá novamente destruindo suas almas, envelhecendo seus corpos e matando suas esperanças. Joana, era a única coisa que queriam naquele momento. Nisso ouvem o telefone tocar. Ele se antecipa à esposa e pega o aparelho que ficava ao lado da TV. Entretanto mesmo tendo atendido o toque continuava. - Não é aqui. O som vinha de cima, mas não havia lógica, pois era apenas uma linha para a casa toda. E o som de ocupado do aparelho que ele segurava provava que não era possível aquilo. O som ficava mais forte no meio do silêncio que se fez na casa. - Vem do quarto de Abigail. – disse a mulher segurando trêmula no ombro do marido, que também tremia muito. - Não pode ser, eu mesmo desliguei o telefone dela há mais de oito anos. Subiram as escadas pé ante pé até chegarem na porta do quarto da filha morta. O pai destrancou a porta, torceu a maçaneta devagar e os dois entraram e ligaram a luz do quarto. No criado mudo ao lado da cama, o telefone em forma de Elvis Presley tocava sem parar, fazendo as pernas do boneco simular uma dança. Ele olhou para a parede ao lado e pode confirmar que o aparelho não estava ligado a nada, mas mesmo assim teve coragem de atender e pateticamente disse: - Alô. - Pai, sou eu Joana, por favor venha me buscar, eu estou com frio e com medo – disse a - Filha onde você está? - perguntou ainda não acreditando naquilo tudo. - Diz que o papai vai te buscar. -Nisso, abriu a gaveta do criado e tirou um pedaço de papel e uma caneta rosa e anotou as informações dadas pela filha. - Eu estou indo filha. Papai vai te buscar – disse tranquilizando a filha, foi quando ele ouviu - Oi, papai. Eu vou cuidar dela até você chegar, não posso ficar aqui muito tempo, diz para a mamãe que eu amo muito vocês. Uma lágrima descia pelo rosto do homem. - Eu também amo muito você, querida. Nisso todo o som desapareceu, deixando aquele patético aparelho em sua condição verdadeira.PAY Former psychiatric hospital.
uma outra voz de mulher que parecia estar com sua filha. – Quem está aí com você, meu amor?
filha chorando muito.
Os dois se olharam com alegria , desceram as escadas e antes de entrarem no carro para buscar a filha olharam para a janela do quarto de Abigail que ficara com a luz acesa. E sentiram que alguém olhava para eles. Uma forte lufada de vento dobrou os galhos na arvore que ficava na frente da casa e poderam ver que algumas folhas entraram pela janela. Eles acenaram sem saber o porquê e sem nenhum medo. A filha estava esperando por eles.
Bom, começar uma crítica literária desta maneira já entrega tudo e pode fazer com que você nem se preocupe em continuar a leitura desta. Entretanto, espero que entender o porquê de algo ser tão fenomenal aguce a sua curiosidade e faça que vá até o final desta análise.
Conheci Justin Cronin há alguns anos quando li seu livro de contos Mary and O’Neil, a convite de um amigo, que não só recomendou como me presenteou com o livro. A obra mostra já a capacidade narrativa de Cronin. Ele consegue converter o cotidiano em algo tão agradável que, sem querer, o autor cria uma renovação e reaproximação com o nosso dia a dia, de maneira a parecer dentro de cada conto lido momentos meigos de auto ajuda. Ele faz com que o que é nada extraordinário se torne ímpar e essencial, tanto que o livro acabou sendo vencedor do PEN/Hemingway em 2002.
Infelizmente e misteriosamente, este livro ainda não foi lançado aqui no Brasil. O que é muito triste, pois recebemos avalanches de obras de qualidade suspeita anualmente.
Enfim, este professor da Rice University deixou claro que a coisa de escrever era a sua habilidade maior quando em 2010 colocou no mercado o primeiro volume de sua trilogia. Sendo a primeira, o alvo de minha crítica.
A passagem chegou ao mercado nacional pela editora Sextante, mas agora está aos cuidados da editora Arqueiro. Tem 815 páginas com tonalidade levemente amarelada o que Ivanir Calado que conseguiu manter de forma primorosa o desenrolar criativo do autor.
ajuda em muito a leitura. A tradução está por conta do competente
Confesso que quando conheci o livro, ainda na versão em inglês, pensei se tratar de mais uma das emulações de Stephen King, com seu livros longos e cheios de “linguiça” que fazem você querer pular algumas páginas. Entretanto este é meu primeiro elogio ao Cronin. Ele não escreve páginas vazias por conta de um livro tijolo. Tudo que coloca tem completa relevância e torna a leitura agradável, já que sabe usar as páginas para fazer belas descrições, permitindo que o leitor praticamente veja cada um dos personagens. Então, se está com medo de achar que trata-se de um outro Guerra dos Tronos, pode ficar tranquilo.
O tema também pode fazer você virar a cara quando o vê nas estantes das livrarias, pois o assunto Vampiros e apocalipse tem em abundância e com diversos escritores. Alguns até podem dizer que o livro lembra a obra The Strain ( Noturno), do Guilhermo Del Touro.
Só que não ....
Gosto de pensar que todo escritor pode trabalhar temas já vistos, no entanto cabe a este mostrar algo novo e que realmente chame a atenção do leitor exatamente para evitar possíveis comparações.
E é exatamente isso que Justin Cronin fez.
Primeiro nos apresentando personagens tão vivos e cativantes que você acaba torcendo para que nenhum morra, principalmente agora que alguns autores estão aderindo ao estilo George R.R Martin e matando sem piedade seus protagonistas. Alguns realmente gostam deste estilo, porém há aqueles que ainda gostam de manter seus heróis, mesmo que estes sofram alguns acidentes de percurso durante a trama.
Na passagem somos apresentados a vários personagens que chamam nossa total atenção, mesmo em pequenos momentos de suas participações, como por exemplo um que faz parte apenas do passado de um personagem relevante ao contexto, mas que Cronin não o diminuiu somente por fazer parte de momentos de flashback. Não... A dedicação dada é a mesma que para elementos que tem participação constante na saga.
Mas então... Do que que se trata esta obra?
Nela conheceremos Amy, uma menina de seis anos que já veio ao mundo de forma surpreendente, e que mesmo cercada de tanta coisa ruim, sempre encontrou elementos que lhe deram amor e cuidados, e por conta disso, recebe uma missão muito especial e também muito pesada:
Salvar toda a humanidade.
Usando da premissa já desgastada de cientistas, que com a mentalidade de que os fins justificam os meios, e em busca da
famosa vida eterna e fim de todas as doenças, criam seres geneticamente alterados que assemelham em muito às criaturas míticas conhecidas como vampiros.
Doze homens condenados à morte por diversos crimes são as cobaias escolhidas para tal experiência, e como é de se esperar, eles fogem e criam dentro de suas “naturezas escuras” uma nova era de morte e escuridão em todo o planeta.
Neste momento você pode imaginar que já viu isso em algum lugar, no entanto o bacana do livro são as passagens de tempo já que fica percebido que tudo começa em 2015, mas temos referências de mil anos no futuro em um mundo totalmente invadido por estas criaturas que contaminam com o “vírus vampiro” uma grande parte da população.
Este cenário, que se assemelha aos livros, séries e filmes de zumbis, ganha seu diferencial com o texto tranquilo e agradável de Cronin, que consegue mostrar um talento ímpar, tanto em cenas simples
(como situações rotineiras), quanto te leva ao desespero quando narra cenas de aventura e ação.
Os personagens principais da saga vão ser apresentados perto do meio do livro em um salto no tempo de 100 anos onde conheceremos Peter, seu irmão Theo, Sara, Michael e Alicia e os demais cidadãos de uma fortaleza. Esta sendo, talvez, a última comunidade humana da Terra. Eles se mantêm vivos porque conseguiram preservar durante às noites luzes que afastam os seres que chamam de Fumaças. A trama começa realmente quando as baterias que os mantiveram vivos todos estes anos começam a falhar justamente quando recebem uma pessoa que definem como andarilha, a qual, indo contra todas as possibilidades, chega aos portões desta comunidade. Uma menina pálida, magra e bonita chamada Amy.
Então. Ficou curioso?
O livro é o primeiro de uma trilogia, sendo que todos já estão disponíveis para venda ao preço médio de trinta e cinco reais.
Um boa notícia é que a Fox adquiriu os direitos para o cinema desta obra e terá a direção de Matt Reeves, que fez um excelente trabalho com a adaptação do livro Deixe-me Entrar.
Minha nota não poderia ser menor que um 9 e já posso adiantar que a saga só ganha potência em sua continuação Os Doze.
Talvez muita gente nem faça ideia de uma coleção de livro de bolço entre os anos 70 e 90 chamados ZZ7(sim, esta é uma forma mais ou menos inteligente de plagiar o 007)que contavam as aventuras da espiã Brigitte Montfort. Todas escritas por Lou Carrigan, pseudônimo do escritor espanhol Antonio Vera Ramírez e com capas lindas do grande artista Jose Luiz Benicio .
Eu cheguei a montar uma boa coleção destes livros, muito por meu pai ser caminhoneiro e ler estes livros de 92 paginas e que para minha alegria deixava no porta luvas do caminhão.
As aventuras eram sempre recheadas de uma sensualidade que conversava discretamente com a pornografia, mas de uma maneira bem suave, entretanto apesar
deste diferencial que causou muitas reclamações a época a serie ZZ7 tinha aventuras realmente bem amarradas e que colocava nossa heroína em grandes enrascadas. Para os fãs como eu o temor dela morrer pairava sempre no ar , já que ela era filha de outra grande personagem da serie que morre de forma horrível.
Hoje tenho todas as edições em PDF e dou a dica aqui de quem curte uma boa historia de espionagem dentro daquele universo do James Bond dos anos 70 e 80 conhecerem as aventuras desta espiã show de bola a qual ainda é possível encontrar os livros a venda no Mercado Livre com preços que variam entre quinze até duzentos reais a edição.
E para fechar , mas sem saber como digerir ainda a notícia,o canal a cabo GNT vai produzir a série da Brigitte com a participação da atris Maria Casadevall fazendo a linda e sensual espiã americana ... aguardando mais coisa .... Mas minha jornada aos livros de bolso publicados aqui no Brasil não acaba aqui. Quero ainda, futuramente, falar sobre outras coleções.
Em minha eterna jornada literária, conheci na Terceira Bienal do Livro daqui de Brasília o trabalho dos escritores Ronaldo Santana e Flaviana Rangel. No evento não tive a oportunidade de conhecer a Flaviana, mas tive momentos muito bons com o Ronaldo.
Ronaldo Santana é um designer gráfico com trabalhos dentro da área de animação já tendo em seu currículos trabalhos com o estúdio Maurício de Sousa e com a Globo e assim como Flaviana, professora de português, com formação também na língua japonesa, apresentam este primeiro trabalho literário em formato romance, já que ambos trabalham paralelamente com criação de histórias em outras áreas.
O livro conta a história de um mistério que ronda a adolescente de doze anos, Luana. A garota, que possui origem indígena, tem como característica os enormes cabelos prateados, que de início são apenas uma forma diferente de chamar a atenção para os que a conhece. Entretanto, apesar disso, ela tem uma vida bem característica das jovens de classe alta carioca, já que Luana foi adotada quando bebê por um casal de boa situação financeira.
Junto com suas amigas, Vitoria e Ingrid, ela vivenciará um crescimento que transcenderá a de uma pessoa normal encontrando aos poucos informações e descobertas que explicarão, ao seu tempo, que aqueles cabelos incomuns e sua história antes de ser adotada, têm muito mais que jamais sonhou.
Enquanto isso tem que atentar aos perigos contra sua vida: uma misteriosa jovem que também possui traços indígenas, encontros desagradáveis com um mendigo de rua, que parece querer alguma coisa dela e aprender a entender a si mesma com a ajuda de uma simpática mulher, que vê o enorme potencial e talento escondido no interior de Luana.
O livro, que é o primeiro de uma série de quatro romances, tem como função apresentar esse universo e seus personagens, no entanto sem ter medo de já colocar
tempero nesta salada de muitos ingredientes, fazendo com que o leitor não desgrude o olho nem por um segundo da história. Para isso utiliza de capítulos de poucas páginas e com desfechos tão bem estruturados e pontuais que despertam no leitor o desejo de saber o que vai acontecer no capítulo seguinte.
Os autores também fazem um trabalho muito bom quanto ao espaço onde a narrativa se desenrola. São poucos e simples de visualizar, já que convivemos com eles o tempo todo quando andamos por grandes cidades, sejam elas dentro ou fora do Rio de Janeiro
onde a aventura acontece. Com isso sobra mais tempo para dedicar à história evitando gastar páginas com descrições de ambiente, além de tornar tudo muito mais familiar ao leitor, que ao seu tempo, inconscientemente, ampliará os horizontes destes locais.
Outra característica positiva no livro são seus personagens. Eles saltam as páginas com sua vivacidade, pois apesar de alguns viverem dentro do mesmo núcleo e possuir muitos pontos em comum, como é o caso das três amigas, cada um tem seus jeitos e trejeitos que fica fácil você conhecer cada um lendo as primeiras falas e até mesmo dispensando as informações do narrador. Aliás o próprio narrador acaba sendo um personagem importante no livro, já que seu estilo participativo e pessoal faz com que ele alimente o leitor de sensações diante dos fatos narrados e também da maneira de vermos os personagens.
Apesar da contra capa mostrar a opinião de André Belo sobre a possível semelhança com outras obras , entre elas a do famoso bruxo Harry Potter, posso dizer, sem receio, que trata-se de uma obra bem original no seu âmago, pois trabalha com situações que são de domínio popular há séculos e assim como J.K Howling usou para criar Harry Potter e Neil Gaiman para o Livro da Magia (obras que por sinal foram alvo de críticas de fãs por achar que se tratava de plágio, mas que os próprios autores desmistificaram tal barbaridade) Ronaldo e Flaviana foram
buscar em nosso folclore a tinta para pintar esta obra de arte literária,
pois não tiveram medo de usar estas fontes e ir além criativamente, moldando personagens, como fez Lobato em seu tempo, trazendo uma modernidade e atratividade de maneira tão ímpar que de forma alguma levo ao nível de comparar com nenhuma obra que li até hoje. Com isso dou a eles o mérito de trazer ao público, onde o alvo é com certeza o grupo infanto juvenil, personagens os quais todos possam se relacionar de forma sadia e tranquila e com seu devido mérito.
Como Ronaldo é um artista, foi muito esperto quanto à escolha de Jessica Oyhenart para a confecção da capa, que está simplesmente magnífica e ao mesmo tempo simples, pois mostra a beleza da personagem e um olhar que carrega medo, esperança e coragem em olhos bem expressivos.
Para os que apontam a literatura independente como fonte de muitos erros ortográficos vão ter uma grata surpresa, pois está impecavelmente revisto por Marlene de Oliveira Lima que deve ter usado uma lupa para não deixar nada passar.
Então se você curte uma boa aventura adolescente, não tem medo de se encantar com personagens cativantes e adora este universo de magia, Luana é minha indicação para você.
No início era apenas a escuridão opaca. Aos poucos foi dando lugar a uma luz esbranquiçada somada à sons disformes e salpicos cinza, azul e laranja aqui e ali que ao seu tempo deram forma a uma parede de metal encardida, dois bancos e uma mesa enferrujados em um canto da sala. Uma tela de menos de trinta polegadas pendia muda e meio torta em uma outra parede transmitindo para ninguém um filme clássico. Era o seu mundo que começava a ganhar forma.
Com muito esforço conseguiu sentar em sua cama. Sair da posição horizontal fez com que um gosto amargo e ferroso viesse à tona em sua boca resgatando uma lembrança repleta de sombras sem rostos e vozes desconexas que participaram da noite anterior. As pernas formigavam e mal conseguia sentir o tato nos pés e mãos. Tossir em um espasmo seco o lembrou de que tinha uma voz. Colocou as mãos sobre os olhos e viu que a velha e conhecida dor de cabeça e aquela sede terrível estavam chegando assim como a sua consciência.
Na mesa, colocadas uma do lado da outra estavam duas garrafas de rótulos diferentes contendo vodca de qualidade duvidosa. Uma estava vazia e a outra com um pouco mais de três dedos.
Levantou-se da cama com esforço. Seu corpo quase caiu com o rodopio que todo o cômodo deu. Segurou-se comicamente na cadeira até que tudo parecesse o mais normal possível a seus olhos; cuspiu uma pasta verde no carpete manchado aos seus pés e de um único gole terminou o que restava da garrafa. Respirou fundo para acumular forças para se pôr de pé. Com passos curtos e trêmulos encontrou o caminho até o cubículo que chamava de banheiro. Apertou um botão encardido, que em alguma época fora vermelho, e de um orifício acima da pia jorrou uma substância azulada na qual, com as mãos em forma de concha, molhou com violência seu rosto. No espelho na parede de metal viu um rosto vazio escondendo olhos castanhos sonolentos e uma boca semiaberta mostrando dentes amarelos perfeitos. O líquido azulado tomava uma tonalidade marrom onde limpava o resultado da noite anterior.
Olhou para o lado e pôde constatar a presença de uma banheira em alumínio e cobre com tantas manchas que poderia, sozinhas, contar a história daquele lugar. Havia meses que não a usava e não seria agora que o faria. Com dores fortes na cabeça tirou a pouca roupa que usava e se pôs embaixo de uma ducha circular que também jorrou um líquido azulado e levemente doce, que quando ingerido por ele, sem querer, o fez vomitar tudo que comera na noite anterior. O que, para sua sorte, não era muito.
Agachou-se no piso molhado do banheiro e por alguns segundos acompanhou a descida do que estava em seu estômago descer pelo ralo. Um sorriso malicioso surgiu em seu rosto e o fez pensar.
“Vai na frente! Daqui alguns anos encontro com você.”
Duas horas depois um novo homem saía do lavatório. Enrolado em uma toalha, mostrava certa beleza: alto, de corpo atlético, apesar da pequena barriga saliente, cabelos negros e lisos, que insistiam em cair sobre seus olhos, a barba feita mostrava um queixo com um pequeno furo.
Sob a cadeira descansava uma camisa branca com uma pequena mancha de molho verde na lapela, nada muito visível, uma calça azul marinho e um sobre tudo acinzentado, que com certeza já fora preto um dia. Embaixo da cadeira havia um par de sapatos relativamente bem conservado e por dentro destes uma par de meia há muito não lavado e, com certeza, muito usado nas duas últimas semanas.
Em dez minutos ele já estava vestido, procurou durante alguns minutos a carteira de cigarros que escondeu de si mesmo, na tola tentativa de parar de fumar, não pelo perigo que causava ao seu corpo, mas pelo preço absurdo de cada pacote. Encontrou-a dentro de uma velha jaqueta que não usava há meses e que estava pendurada atrás da porta.
“Devo parar de confiar em mim.” Pensou enquanto sorria.
Acendeu e deu uma boa tragada, soprando a fumaça para o alto na esperança de não impregnar sua roupa com o cheiro. Destravou as cinco trancas da enorme porta de metal do quarto e banheiro de um edifício de cento e quatro andares onde morava, contendo em cada andar, sessenta e dois apartamentos exatamente iguais ao dele.
Lá fora o céu vermelho e poluído o impedia de ver o sol, uma das quatro coisas que o fazia se arrepender de ter saído da Terra, apesar de saber que seu planeta natal não estava tão diferente, desde que a cúpula que foi criada para substituir a camada de ozônio dava visão de um céu limpo somente em algumas regiões, onde com certeza viviam os que podiam pagar por isso.
O amigo, como em todos os dias, estacionou seu carro, um Bashir 76 amarelo, caindo aos pedaços.
- Diga aí, companheiro! Pronto para mais um lindo dia nesta cidade maravilhosa? – disse o rapaz, um negro muito magro, de olhos esverdeados e sem um fio de cabelo, enquanto batia com carinho no capô do carro.
- Eu adoro suas piadas, Ed. Tanto que fico louco para enfiar cada uma em sua boca de novo. – respondeu enquanto entrava no carro.
- Ei, calma aí! Agora é crime tentar levantar a moral de merda de um amigo? Só estava querendo tirar esta tristeza de sua cara. Se soubesse, tinha ficado calado.
- Sei. – disse com um ar cínico. - O negócio é comigo, dormi super mal esta noite, por isso economiza este seu veneno, que hoje ele não terá efeito em meus ouvidos.
- Fiquei sabendo. O Fred, aquele que se gaba o tempo todo de ter nascido em Europa, disse que você tomou todas a noite passada. Cara, você tem coragem de encher a cara com bebida feita na Terra com a gravidade daqui? Já vi um cara morrer fazendo isso. - disse enquanto levantava voou com seu Bashir com um som assustador, mas que já acostumara, vindo do motor. - Não que eu goste ou me importe com você, mas quando me acostumo com as coisas e pessoas, não curto muito mudanças. Mas, quer saber? Deixa para lá. A vida miserável é sua e temos muitas coisas para nos preocuparmos hoje.
- Do que você está falando ,Ed? – perguntou enquanto apagava o resto do cigarro na palma calejada de sua mão.
- Não está sabendo? As Zonas Habitacionais Um e Dois aderiram ao movimento separatista e a conversa que está voando é que possivelmente vão haver demissões na construção civil. O Phester já está com a lista, e pelo jeito tem muita gente graúda nela.
- Espera, espera, espera. Se estas áreas entraram nessa, é quase certeza que um conflito vai detonar. Caramba! Isso vai dar merda. O governo da Terra com certeza já deve estar enviando tropas para cá.
- Você não sabe nem a metade. – disse o amigo pegando um tablet abrindo em um vídeo. – Veja e chore, meu amigo.
Na mesma mostrava Roberto Ansium, uma das forças dominantes de Marte, segurando uma antiga adaga sobre a palma esquerda, indagando se o povo marciano queria continuar naquela vida que estavam, enviando tudo que produziam para a Terra, e continuar comendo as sobras, podiam agir como aquela mão, mas, caso contrário, se quisessem acabar com aquela injustiça, era muito simples, bastava ficar no lugar da adaga e lutar. Dava para ver a baba escorrendo da boca dele. A coisa era séria. Ele concluía dizendo com olhos cheios de fúria. “Vamos mostrar para aqueles infelizes da Terra quem realmente manda nos nossos desejos e vontades. Vamos mostrar a eles quem é realmente o povo de Marte.”
Ed deu um grunhido de descontentamento enquanto o amigo olhava para a ferida que auto infringiu em sua mão pensando como certas coisas poderiam doer mais.
**********
- Eu chamaria tal comportamento simplesmente de traição – disse a voz idosa e cansada pelas constantes baforadas do charuto. Enquanto bebericava de um raríssimo e caro suco de laranja e olhava do alto do luxuoso restaurante, a cidade abaixo. - Ele mesmo, uma pessoa da Terra, indo contra seus princípios. Um verdadeiro ultraje.
- Não sei se posso concordar com você, meu caro Alfredo. Já li muita coisa a respeito de paixão por lugares conquistados. A história humana é cheia de exemplos. Quem sabe o nosso “estimado” senador não esteja sofrendo desse mal?
- Pode ser meu caro, pode ser. O que acha, minha querida?
Os olhos azuis e celestes de sua esposa eram tão belos como o rosto que os emolduravam, as mãos delicadamente embaixo do queixo fino não eram para marcar reflexão diante do assunto maçante e sem objetividade, eram simplesmente para segurar a cabeça de um provável cochilo fora de hora.
- Meu bem? Ouviu o que eu disse?
- Há! Claro querido, concordo totalmente com tudo que disse - mentiu. No entanto os olhos tremeram instantaneamente, pois concordara sem ao menos ouvir a conversa. Tinha medo do marido, e ter dito algo que o constrangesse poderia ser muito ruim para ela. No entanto, lembrou da vida que tivera antes daquilo. Vivendo em um cubículo minúsculo divido com mais quatro pessoas e trabalhando com mineração durante todo o dia. Encontrar um velho e herdeiro de uma das primeiras famílias, que a quis como esposa, foi um golpe de sorte. Sabia que para muitos não passava de um brinquedo nas mãos dele. Mas preferia aquilo à voltar para as minas novamente. - Querido, eu preciso ir ao toalete, você poderia me dar licença?
- Claro, meu bem – disse sem ao menos olhar para ela – Estarei aqui mesmo.
O restaurante era enorme, no entanto foi fácil para ela encontrar o toalete, já que estivera ali outras vezes em ocasiões tão ou mais desagradáveis que aquela. Entrou no recinto muito limpo e enfeitado com todos os tipos de apetrechos mais modernos, até mesmo o lavabo - novidade em Marte a menos de duas semanas – Em um dos boxes encontrou o que queria: solidão. Trancou a porta, despiu-se e sentou-se no sanitário. Urinou com um prazer indizível, já que desde que saíra de casa estava com esta vontade. Entretanto, sabia que não era muito agradável, principalmente para ela, atrasar os planos do marido, não importando o quanto fosse importante ou fundamental para ela. Terminando, apertou um pequeno botão amarelo a sua direita, que acionou uma baforada de vapor frio de dentro do sanitário, que até hoje não conseguira se acostumar. Adorava usar o bom e velho papel higiênico, material de luxo no planeta vendido por uma fortuna a quem pudesse pagar, e que vez ou outra usava, graças a um dos gracejos do marido em troca de novidades sexuais.
Ao sair do box, viu uma mulher, que aparentava menos de vinte e cinco anos, maquiada para aparentar mais idade. Os
Os cabelos dourados cobriam um de seus olhos; os lábios finos e delicados estavam completamente camuflados com aquela tinta vermelha. Os olhos e rosto com uma maquiagem perfeita que lembrava em muito as antigas concubinas dos arquivos de história da Terra.
Então a mágica aconteceu.
E não era a primeira vez que ela vira aquilo.
No reflexo do espelho os olhos verdes daquela mulher mudaram para um castanho amadeirado e seus cabelos dourados foram tornando-se mais escuros a partir da raiz até ficarem totalmente negros. A jovem deu um sorriso vazio para o resultado. Olhou-se por mais alguns segundos e saiu do lugar.
Aquelas “bonecas” sexuais eram a novidade mais cara de Marte. Presente das grandes corporações da Terra aos que trabalhavam direito e mandavam mais e mais minérios para a construção de cargueiros que agora estavam se aventurando até mesmo fora de nosso Sistema Solar. Máquinas de prazer que ao seu tempo fariam mulheres e homens que eram escolhidos pelos ricos serem descartados em pouco tempo. Muitas vezes viu o próprio marido admirando aqueles “presentes” que seus amigos ganharam, mas agradecia por ele ainda dizer que gostava de algo real. Porém quando dizia a frase “quem sabe um dia...” sentia um frio tão imenso na espinha e o medo tomava de conta de seu corpo.
Retocou aquela máscara, que chamava de maquiagem, em frente ao espelho e viu no reflexo do mesmo duas senhoras que haviam entrado ali e que a olhavam com tanta raiva como se ela fosse a culpada delas não serem mais jovens e atraentes. Mas uma vez se fez de desentendida e com um sorriso cínico, mas convincente, as cumprimentou; elas, com mais cinismo ainda, responderam o sorriso com outro. Ao fechar a porta ela sabia que as alfinetadas sobre sua vida seriam mortais, afinal a “doce” e “fina” senhora Lee era o centro de todas as atenções na “nobreza” marciana.
Nesses momentos tudo que ela desejava era desaparecer no universo junto às estrelas cadentes que via a noite, porém ao lembrar qual seria seu destino colocava na gaveta de sua alma todos os seus lampejos de coragem e sonhos.
Entrou novamente no grande salão, indo em direção à mesa onde se encontrava seu marido, o amigo e sua esposa. Enquanto andava, todos os olhos encontravam um alvo em seu corpo, alguns disparando intrigas, outros desprezos, mas na grande maioria desejo.
- Ainda bem que retornou meu bem, eu e Willian falávamos sobre a provável guerra entre a Terra e Marte. O que acha disso?
- Engraçado. – disse ela com um pequeno sorriso nos lábios, enquanto sentava à mesa. - Meu pai me deu um livro quando eu era criança chamado Guerras dos Mundos, o livro foi escrito no início do século XX por um escritor que não lembro mais o nome...
- H.G Wells –interferiu Willian se interessando pelo o que sairia da boca daquela jovem.
- Sim, é este o nome dele. Bem neste livro falava exatamente da guerra entre o povo da Terra e os marcianos. Só que nela existia pelo menos a desculpa de serem alienígenas. Será que não é isto que estamos nos tornando? Alienígenas, seres diferentes? Perdemos nossas origens quando a única coisa que vale é o interesse e o dinheiro? Sabe, ainda bem que este senhor Wells não nasceu nos tempos de hoje, pois que lindo e maravilhoso livro eu deixaria de ler.- Ela olhou com interesse para a grande janela .- E engraçado, pois aqui estamos nós, aos pés de uma guerra por um enorme pedaço de rocha. É realmente cômico.
Silêncio.
- Concordo com você, minha cara. Menos na parte no que diz respeito ao que falou sobre Marte. Nós estamos na maior jazida de minério BARCON do sistema – disse Willian, tentando salvar a menina de uma situação pior, arriscando-se o máximo possível não deixar transparecer isso, pois estava sendo muito bem observado pelos olhos de sua esposa e do amigo que começava a ficar claramente incomodado.
- Está muito espirituosa hoje, meu bem. O que será? -disse o marido com um transparente falso sorriso; e ela sabia muito bem o que significava aquilo.
Naquele momento queria que aquele almoço durasse por toda a eternidade e não tivesse uma casa para retornar.
- Eu só queria tirar alguns sorrisos, querido. -Mentiu novamente.
**************
- Dane-se com suas brincadeiras. Cara, isso é sério. Nós não estamos preparados para uma maldita guerra. – disse enquanto desligava a imagem esverdeada do tablet.
-Relaxa, cara. Eu não acho que isso vai acontecer, mas te digo uma coisa, se meu nome estiver naquela droga de lista, vou te falar. - disse Ed dando um murro no volante. -Hoje mesmo me alisto no exército marciano e começo a apoiar este senador pirado.
- Eu acho que você está perdendo o juízo...
- Nada! Eu tenho duas bocas para alimentar e não vou querer ver minha filha morrendo asfixiada ou doente por conta da falta de ar de boa qualidade. Por falar nisso, viu para quanto foi o preço dos filtros este mês? Tudo por conta do maldito medo de um conflito. Esses desgraçados não perdem tempo. Quem diria que esta conversa que começou há seis anos iria ganhar tanta moral como hoje.
- Cara, eu não ligo a mínima para estes bostas que comem dinheiro, mas me preocupo sim em ter que voltar para a Terra– disse enquanto procurava outro cigarro no bolso. - Aquele lugar fede.
- Não reclama, cara. É ruim, mas é uma forma de escapar. Ter cidadania da Terra não é de todo ruim, pelo menos você pode morar na Lua. Ouvi dizer que está cada vez melhor. Eu e minha família nascemos neste buraco e temos que nos virar da melhor maneira. Mas te digo uma coisa, se você tiver que ir, a hora é agora. Logo, logo eles irão proibir idas e vindas para lá.
Logo à frente deles, um enorme túnel dividia as zonas de subúrbio dos grandes centros urbanizados. Oito portas controladas por diversos seguranças controlavam o túnel. Após mostrarem suas credenciais em todas as guaritas tiveram permissão para entrar.
O contraste era absurdo. Pareciam estar saindo de um mundo e entrando em outro; os enormes edifícios eram monumentais e de uma beleza descomunal. As pessoas eram bem vestidas e ninguém usava filtros obrigatórios nos narizes, pois o ar era realmente puro e tinham água limpa e cristalina, que jorrava por vários chafarizes espalhados pelo setor, alguns com estátuas de mulheres e crianças nuas e outros com peixes e outras criaturas, que na grande maioria, estavam extintos há centenas de anos. O céu emulava o da Terra, pois era azul graças a projetores holográficos gigantescos espalhados por diversos pontos da cúpula que, diferente dos demais setores, não era próximo ao solo e ficava há quilômetros de altura. O suficiente para as grandes aeronaves, ou mesmo os gigantescos cargueiros que viajavam para a Terra e Europa, trafegarem.
Era o mais próximo de um paraíso que alguém dos baixos setores poderiam imaginar, no entanto tudo ali era tão intangível que até o conceito de sonhar em morar em um lugar daqueles era engraçado e assunto de chacota entre eles. A própria condição deles ali era temporária. Pelo menos até o término de mais um dos bolsões de ligamento, que daria início ao isolamento daquela área para a unificação com o setor Zeus, que faria tudo aquilo, já magnífico, em algo simples.
Sete anos e milhares de empregados, para construir mais de trezentos quilômetros quadrados em prédios e lojas para os filhos e novos ricos, que deveriam mudar para Marte nos próximos meses. Novas jazidas de BARCON tinham sido encontradas e eram bem maiores do que as anteriores. Trilhões de créditos enterrados esperando por mãos ambiciosas.
No entanto, depois que os mais experientes mineiros foram em busca de um futuro em outras luas de Júpiter, o trabalho e a substituição gradativa por máquinas no trabalho com o BARCON fez com que o número de desempregados e residentes morrendo por contaminação, simplesmente por não terem como pagar seus filtros, e o aumento da criminalidade, acabou inflamando e dando força aos grupos separatistas. Marte tinha um exército próprio e diversas naves de combate dentro e fora do planeta, no entanto sempre fieis ao seu colonizador: A Terra. Ter a simpatia de homens ricos, inclusive das primeiras famílias e agora um senador, poderia mudar um pouco a ordem natural.
Passando em frente a um edifício restaurante viu um velho com a ajuda de uma segurança colocar à força uma jovem muito bonita dentro do seu veículo. A mulher não mostrava resistência ao entrar, mas assim mesmo o velho a achincalhava. Por um breve momento ela olhou para aquela lata velha amarela que passava na rua e os olhos dos dois se cruzaram. Ele pareceu não entender e evitou comentar com o amigo que estava preocupado em estacionar em um lugar mais tranquilo, mas ver os olhos marejados daquela mulher tão bem vestida fez com que sua vida miserável parecesse menos cruel e pode, mesmo que por um tempo ínfimo, sentir pena dela.
- Pobre coitada – deixou escapar baixo.
- Como? – disse Ed sem olhar para ele.
- Nada, esquece.
*************
Os olhos tranquilos do homem naquele veículo velho, chamaram sua atenção o suficiente para que ela não ouvisse os gritos vindos do marido nervoso. O rosto dele tinha algo confortador e ao mesmo tempo nostálgico. Algo que a fez lembrar de um tempo além do que vivera mergulhada na escuridão que a vida ruim daquele lugar podia fazer a uma menina. Talvez tenha sido só um momento de fragilidade de seu espírito que conseguiu ver algo de bom em alguém que claramente não era mais de seu mundo cor de rosa e que frequentemente tornava-se mais amargo. Era um ninguém. Um número que insistia em ter um nome. Mas a realidade voltou como um soco em seu estômago. O homem foi embora e agora sua única preocupação era com o que a motorista, que insistia em olhar somente para frente, mas por ordem do que vontade, iria pensar vendo aquela situação. Na verdade não ligava muito para o que o marido falava ou deixava de falar. Aprendera isso no primeiro ano ao lado do ser tão desprezível como era aquele homem. No entanto a vergonha e a humilhação diante das outras pessoas ainda era algo que a feria muito. Cada nome era como pregos que saiam daquela boca murcha e entrava em seu peito. E ela não podia fazer nada e não ser conter-se.
- Olhe para mim quando eu estiver falando com você, sua imbecil! Aquilo era coisa de dizer numa mesa para um dos homens mais influentes neste planeta? Eu quase tive um ataque cardíaco com toda aquela merda que saiu de sua boca.
- Eu só disse o que veio a minha cabeça, nada mais. - disse com uma pequena lágrima formando no olho direito. - Não queria parecer uma idiota. Pensei que fosse gostar de mostrar que não é casado com uma droga de androide sem alma.
- Pois da próxima vez fique com a cabeça fazia, diga somente o que eu lhe permitir dizer. Não me importo nem um pouco com uma esposa calada. Se eu quisesse uma mulher para se meter em minha vida e em meus negócios não iria buscar uma naquele lixo do setor H. Se ponha em seu lugar ou vai acabar sendo substituída por uma destas drogas de robôs.
Algo cresceu em sua garganta. Um grito que lhe salvaria daquelas ofensas, mas quem ouviria seu grito que não ela? Era um mundo novo onde comportamentos como aquele extintos há séculos eram fortes ali. Eles eram os donos. Homens e mulheres como ela eram objetos nas mãos deles. Eram como sentiam seu poder. Ela permaneceu calada, pois sabia que ouviria muito naquele dia e possivelmente seria castigada de formas que dariam mais prazer a uma criatura impotente como aquela, no entanto algo nela a tranquilizava, talvez o gosto daquele grito, ou saber que não era uma boneca de plástico, que havia vida e força, que mesmo eclipsada por tanta vergonha e medo ainda se faziam ouvir do fundo daquele oceano de tristeza dentro dela. Talvez foi aquele olhar tão simples para com ela. Um olhar de empatia.
Um olhar humano.
Sim... Por um segundo ela se sentiu humana novamente. Que sentimento reconfortante, mesmo que numa dose tão pequena.
Subitamente algo chamou a atenção da motorista que fez com que parasse o veículo bruscamente.
- O que foi, Moira. Por que paramos? – perguntou o velho com raiva.
- Tem algo acontecendo lá fora, senhor. Todos estão parando.
- Mas isto é um insulto! Vou tomar satisfação com o próprio governador quando souber o que está ocorrendo.
Do veículo ela pôde ver um grupo de homens fortemente armados tirando as pessoas de dentro dos carros. As que tentavam resistir eram tratadas rudemente independentes de seus estado social. Ela não intendia o que estava havendo, mas pode ver entre estas pessoas tiradas de seus carros o homem que vira há pouco. Ele a olhava fixamente enquanto era colocado em uma fila.
*********
O caos estava formado. Eram centenas de soldados e cópias androides fortemente armados, chegando em naves blindadas e pousando, destruindo as magníficas estátuas que enfeitavam o lugar, mas que naquele momento atrapalhavam suas áreas de pouso.
- Formem uma fila aqui, os moradores das zonas fechadas, e outra aqui, os moradores do centro. – disse sem entonação e sem expressão na sua voz mecânica, um dos androides que carregava uma arma de projéteis M-66.
- Desculpe, oficial. O que está acontecendo? – perguntou se afastando de Ed que tinha como preocupação o bem estar de seu velho Bashir.
Antes mesmo que um dos soldados pudesse responder. Uma série de explosões foram ouvidas. Era os refletores holográficos que estavam sendo desligados revelando a face vermelha do céu marciano, onde dezenas de naves sobrevoavam a cúpula. Ele reconheceu todas como de Marte.
- Cidadão, o estado Marciano acaba de declarar sua independência e guerra contra a Terra. Estamos apenas vistoriando quem está aqui a mais de cinco anos. Por isso, por favor, todos retirem seus documentos para esta confirmação.
Mais atrás ele pôde ver a jovem. Parecia triste, mas não ligava para o que o marido falava. Só o olhava. Novas explosões e gritos eram ouvidos por vozes que nunca tiveram que fazer isso.
Um cheiro forte de borracha queimada tomou conta de suas narinas que nem mesmo seus filtros conseguiram eliminar.
Fumaça... Medo ... O desconhecido.
Tudo poderia acontecer naquele momento. Da mesma maneira que ele estava vivo agora, amanhã poderia estar morto junto a milhares de outros, pois sabia que este era o destino daqueles que escolhessem um dos lados. Entretanto, mesmo com tudo aquilo, não conseguia para de olhar para aquela jovem.
Estava com medo, mas se sentia reconfortado com ela.
Ao lado dele havia um canteiro com algumas flores, que foram geneticamente alteradas para sobreviverem ali. Entre elas dois girassóis.
A moça arriscando, sem a menor preocupação sujar ou rasgar seu caro vestido, ziguezagueou por entre os carros e pessoas. Ele arriscou dois passos seguidos por mais outros em direção a ela, sem ao menos saber o que dizer.
Eles então ficaram um de frente ao outro e sem nunca antes se virem ou mesmo falarem se abraçaram entre o amontoado de carros barulhentos, tiros de alerta e motoristas nervosos.
“Pois era isso que seres humanos fazem.” – Pensou ela.
No canteiro um dos girassóis voltara com um pouco de esforço seu lindo botão para o Sol que estava lindo naquele dia. Finalmente podia ir em busca de seu propósito ...De sua identidade. Escrito por Nando Alves